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Esquisitices


As pessoas e suas esquisitices. Tudo bem que as relações humanas são complexas, isso a gente sabe, mas não precisava exagerar tanto - e bote pleonasmo. Sei que é natural existirem as chegadas e partidas, aproximações e afastamentos, afetos e desafetos, amores e desamores, vínculos e rompimentos.

O problema são as atitudes estranhas, inexplicáveis. Aquele vácuo na lógica do afeto. Comigo já ocorreram algumas dessas situações que vez por outra me fazem lembrar da pessoa e do momento como se fosse hoje. E uma vontade danada de dizer: senta aqui e me explica sua atitude, fala mais sobre isso, que nem uma terapeuta, sei lá.

Vê só, eu tive uma colega (melhor dizer “colega”...) em um curso intensivo de Inglês que durou dois anos. Eu já com filhos, ainda pequenos, e ela, noiva. Foi a pessoa do curso que mais me identifiquei. Gente finíssima! Os trabalhos que eram em dupla sempre fazíamos juntas, fui até pra casa dela uma vez estudar.

Acho também que tínhamos em comum o fato de sermos as alunas mais esforçadas (melhor dizer “esforçadas”...) da turma. Chegou o dia do casamento dela e a nossa turma, que era bem pequena, se reuniu e comprou um presente bacana pro casal. Detalhe importante: às vezes, o noivo ia buscá-la no curso e era um cara muito agradável, simples, também gente fina. Gostei muito dele! Os dois eram desses casais bem apaixonados, bem grudados.

Pra encurtar a história, o curso foi concluído e nós perdemos o contato uma com a outra. Poucos anos depois, a encontrei numa loja de departamentos num shopping. Ela estava com duas amigas. Ah, claro que chamei minha coleguinha com um aceno efusivo, o que não é comum da minha parte.

Mas já senti a frieza. Perguntei como ela estava, comentei que meu inglês continuava ruim, mas que estava tentando umas aulas particulares, falei dos meus filhos, e então perguntei sobre fulano, o marido dela. Pra quê?

Nessa hora, ela olhou pra cara de cada uma das amigas e as três caíram na gargalhada, dessas de virar a cabeça pra trás, como se eu tivesse contado a piada mais engraçada do ano. Ou tivesse perguntado algo absurdo.

Quando uma pessoa fica sem graça minha mãe diz que fica com a “cara mexendo”. Pronto. Eu fiquei com a cara mexendo. Em seguida, ela disse: “Tchau, estou indo”. E até hoje eu não sei o que ela achou que eu já devia saber e eu não sabia pra ter rido com ela e as amigas. Deu pra entender o vácuo?

Mas nem sempre as esquisitices são indolores. E quando envolvem grandes amizades? Há casos de amigos-irmãos que, sem explicação, uma das partes se isola, se afasta, rompe, sem ter havido problemas.

Sim, porque aqui, nesta categoria de esquisitices, não incluo os casos de fraude, traição, falta de ética, injustiça, mentira, ou qualquer tipo de sacanagem impensável quando menciono o substantivo amizade, que justificaria, sim, qualquer rompimento. E também excluo todos os casos de fissuras que ocorrem por divergências político-humanistas e ideológicas.

As esquisitices são assim nomeadas aqui justamente por não haver histórico de, digamos, arranhões. Aí você tem uma grande amizade que, de repente, de unha e cutícula vira quase nada. Perguntar o que houve fica sem sentido. Cobrar, muito menos. Respeitar, sim. Mas fica a mágoa e a interrogação, as perguntas não respondidas: o que fazer com os tantos anos de afetos, trocas, vidas compartilhadas?

Anos atrás, num encontro com amigos no fim de uma jornada de trabalho, puxei esse assunto, que já grita no meu juízo faz tempo. Cada um narrou pelo menos um caso de esquisitice na sua bagagem. Um deles, o que mais me marcou, foi de um casal de padrinhos do filho que, de repente, sumiu da vida deles, inclusive, da vida do afilhado, sem dar mais sinais de aproximação, mesmo morando na mesma cidade.

Será que dá pra gente teorizar um pouquinho sobre isso? Tipo uma “teoria das esquisitices”? Tudo bem que acho que há mesmo os ciclos da vida. Há amizades que fazem muito sentido em determinadas fases de nossas vidas, em outras, não. Nem todas as amizades são perenes.

Mas, como falei, precisa se bandear de forma tão esquisita? Imatura? Sectária? Sem qualquer sensibilidade com quem fica no vácuo? Às vezes, me pergunto: quanto de individualismo tem nisso? Ou de insegurança, talvez? Só Freud ou Lacan poderia responder.

Talvez tenha gente que pra virar uma “chave” da vida precise romper com tudo que é “passado”, e as pessoas estão incluídas nisso, simbolicamente - ainda estou tateando na minha “teoria das esquisitices”.

Ou algumas amizades ou colegas lembrem momentos negativos, etapas a serem superadas ou esquecidas. Em vez de buscar a psicanálise, é mais barato e fácil riscar alguém da lista de amigos: “Pronto, sou uma nova pessoa, novos amigos, bola pra frente”. Se deu certo, tá valendo.

Enfim, a amizade antiga pode lembrar um “eu” que a pessoa não quer ser mais. Ou até a amizade não faz bem como fazia antes, pode ser. Tem gente que adora não ter amigos antigos, sempre fazer novos amigos. Tipo: “Sou eternamente jovem”. Se deu certo, tá valendo também.

Fico pensado na minha coleguinha do inglês. Será que o casamento foi uma fase péssima na vida dela, e que ela superou e eu apenas lembrei esse passado recente, finalmente superado? Eu, a atrasadinha sem noção... “Risca a coleguinha Pat que assim eu risco todo o meu passado com aquele crápula”. O que eu tenho a ver com isso?, eu perguntaria, na “teoria das esquisitices” imaginária.

Eu espero não ter tido esquisitice com algum amigo ou amiga, e digo logo: gosto de amigos antigos e fazer novos amigos, velhos e jovens. E, por favor, se eu fizer uma esquisitice, me avise, pergunte, quebre as regras. Não se baseie na minha “teoria das esquisitices” que eu também não acredito nela.

Pense numa coisa chata lidar com as esquisitices alheias. E digo mais: minha meta é não sofrer com esquisitice de ninguém! Quando alguma coleguinha cair pra trás de rir com uma pergunta boba minha, de forma esquisita, eu cairei pra outro lado rindo, mesmo sem entender nada, mais esquisitamente ainda. Meta da vida.

*Imagem de Madonna, linda e madura, extraída do site: https://lifestyle.sapo.pt/fama/noticias-fama/artigos/madonna-faz-hoje-60-anos-veja-as-imagens-do-hotel-que-a-cantora-escolheu-para-a-festa. Não encontrei o crédito da foto, infelizmente.

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