Ranço
Dia 17. Domingo. Junho. 2018. Lá estava eu querendo enfrentar os fantasmas da Seleção Brasileira de Futebol. Não sei se me sentia zagueira ou atacante. Com certeza, não era meio de campo. O jogo era contra a... Sei lá. Não interessa. Uma outra copa nas costas. O que me assombrava não era o irônico sete a um de outrora. Tudo bem que foi um trauma grande... Confesso. Mas eu sofria pela tentativa de ressignificar o verde-amarelismo. Na minha cabeça, digo. Dentro de mim. Dar uma outra cor a tudo, como se fosse possível apagar e repintar as cores de um país, as cores de uma bandeira. Reverberava o refrão “meu coração é verde, amarelo, branco, azul-anil”, que eu sabia que era cantado durante a ditadura. Sabia porque li sobre...
Paro e penso: como o verde-amarelo, a seleção, o futebol, enfim, são tripés da cooptação do direitismo, dos golpes no Brasil. Como se isso fosse patriotismo... Oras. Nos dois casos recentes – 1964 e 2016 – o intuito foi vender o país ao capital estrangeiro e enriquecer uma classe já usurpadora de nossas riquezas. Enfim, mas não quero falar de política, só de cores.
Depois de 1964, agora nesta década que estou, o Brasil redescobriu o verde-amarelo para dar uma guinada à direita. Camisas da seleção foram o uniforme preferido dos “manifestantes” que saíam às ruas dos bairros nobres em todos os estados, pedindo o “impeachmant” de Dilma Rousseff. Depois comemoraram assim a prisão de Lula, em 2018. A bandeira brasileira ornou os eventos da patolândia brasileira.
Nessas minhas reflexões pré-Copa de 2018, há espaço para pensar as outras ressignificações. Petralha: similar a irmãos metralha dos gibis, só que para designar o PT e os petistas. Esquerdopata: psicopata de esquerda; aliás, todos os esquerdistas são psicopatas. Lula: ladrão. Defensor do Estado Democrático de Direito: corrupto ou que defende a corrupção. O país que criou neologismos para não se aprofundar em nada. Que passou a rir de memes para não se organizar e brigar por direitos perdidos. Que preferiu as briguinhas nas redes digitais do que as conversas profundas ao pé do ouvido.
Enquanto sigo com ranço do verde-amarelismo, escuto uma voz de Paulo Freire dizendo que “O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.” Pei! Tapa na cara. Trivela. Gol de escanteio. Os dados estão rolando e precisamos ressignificar o Brasil, com discurso, luta, com práxis. A seleção está passando vergonha de novo no campo e eu continuo com abuso do verde e amarelo. Veio a copa. Perdemos a copa. Merecemos. Eu não queria falar de futebol, mas de cores. Ou era de política?
* Texto escrito em agosto de 2018, mas só agora publicado.
** Imagem capturada do site https://aosfatos.org/noticias/foto-de-manifestante-que-pede-o-fim-das-universidades-retrata-encenacao-de-youtuber/