Precisamos falar sobre comunicação
Imitei Mino Carta e comecei este texto tomando uma taça de vinho. Ponho aqui a comunicação na roda. É de onde falo: a comunicação. Mas, por ser jornalista e viver da/para a comunicação, decidi que esse blog seria para outros assuntos. “Mais gerais, para não ter a pecha de blog de jornalista”, sempre justificava a mim mesma. Queria temas livres, sem amarras. Impossível fugir desse tema que me faz respirar.
Sim, precisamos falar sobre comunicação. Sempre. Agora. Já. Urgente. Pensemos: os governos podem mudar, mas a mídia não muda, e segue firme fortalecendo a ordem do capital, fiel escudeira dos interesses das elites, da casa grande, oprimindo os trabalhadores. É ela própria – a mídia – a elite falando. A mídia não é uma mera informadora – é formadora. Daí a sua força de reprodutora da ideologia dominante.
As gerações que hoje plainam no território brasileiro foram de alguma forma (des)educadas pelos veículos de comunicação que aí estão, em geral, burlando as pífias leis vigentes que “regulam” a comunicação no país, que deveriam proibir oligopólios midiáticos. Os meios e seus tentáculos... Traduzem como querem a “realidade”, sem considerar versões outras que se contrapõem à ordem do capital. Elites econômicas, políticas e religiosas controlam os veículos e dizem em o quê e em quem devemos acreditar.
Claro que não estou falando de uma ordem estática e homogênea. Há brechas, há fissuras no sistema. O filósofo italiano Antonio Gramsci diria que se trata de um campo de tensão, de disputas. Sim, a mídia, como outras estruturas que compõem a “sociedade civil” gramsciana, pode permitir contradições. Mas confesso que o “advento” da agressiva investida neoliberal sobre a América Latina, sobretudo a partir dos anos 1990, tem promovido o quase apagamento das contradições. É assustador.
E há os jornalistas no meio disso tudo. São os “intelectuais orgânicos”, numa visão gramsciana. Nossa profissão vilipendiada pelo capital. Explorada e precarizada nas redações – cozinhas feitas pra moer os divergentes. Já se foi a era do romantismo das redações, da imprensa utilizada como campo de luta contra a ditadura civil\militar no Brasil, a partir de 1964. Hoje, atuando na Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco, acompanho a frustração de colegas que são oprimidos por terem a sua própria liberdade de expressão violada. Logo a profissão que deve lutar por essa liberdade... Acabou o brilho no olho, o arrepio de estar fazendo história com a escrita, com a voz, com a imagem. Empobrecemos todos e todas, em relação à nobreza que deveria ser o fazer jornalístico. É triste. Fomos esmagados.
Aí lembro novamente de Mino Carta. Era 10 de março de 2017 – um dia desses – quando ele veio ao Recife com Paulo Henrique Amorim debater sobre "O papel da mídia no ataque aos direitos da classe trabalhadora", numa iniciativa da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Precisamos falar sobre comunicação. Amorim pontuou: “Esse golpe de hoje é mais feroz e destrutivo do que o de 1964, que não mexeu na CLT”. O mais grave é que as informações sobre os golpes dentro do golpe de hoje são selecionadas e filtradas pela mídia. São deturpadas. “Temos um bloqueio da informação no Brasil”, disse Amorim.
Inacreditavelmente – ou, talvez, obviamente – falar sobre golpismo midiático, falar mal do Sistema Globo ou da Revista Veja, da Editora Abril, virou discurso de “esquerdopata” – neologismo para designar, pejorativamente, os críticos do sistema, os que ainda estão lúcidos. Isso mostra bem como a mídia conseguiu atingir os seus propósitos direitinho. Enfrentamos um golpe, vivenciamos uma derrocada assustadora dos direitos e garantias dos trabalhadores, sentimos na pele o braço forte da repressão aos movimentos sociais – devidamente criminalizados pela maioria dos veículos de mídia –, amargamos uma grave recessão e ainda vemos gente aplaudindo tudo isso, sem medir as consequências para o nosso futuro de nação.
Discutir o papel da mídia no nosso país significa discutir o próprio projeto de nação. Que caminhos queremos? Que sociedade estamos construindo? Paulo Henrique Amorim pontuou isso muito bem no debate, ao exemplificar o obscurantismo dessa era Michel Temer, ao falar do saque do FGTS. “Significa que o trabalhador abre mão do futuro, saca o dinheiro para pagar dívidas estratosféricas em empréstimos consignados. E quem ganha com essa medida que a Globo transforma em nova ‘abolição da escravatura’? Os bancos". Há um desmonte do país em curso.
Mino Carta assume a palavra no debate e diz que “o grande engano de Lula foi achar que a conciliação é sempre possível”. Crítica válida. O não rompimento do Partido dos Trabalhadores com a grande mídia, quando estava no poder, foi um erro fatal. Vemos isso claramente hoje. Com o agravante de não fortalecer as mídias alternativas e a comunicação pública. Lula acertou em muitas iniciativas, mas pecou em algumas cruciais. “No Brasil nunca houve conciliação entre capital e trabalho. Entre a casa grande e a senzala não há possibilidade de acordo”, disse o mentor da revista Carta Capital.
Mais uma vez, Mino Carta vai ao cerne da questão: “A democratização da mídia é um fruto natural da democracia como a banana nasce da bananeira”. E continua: “Não se faz democratização da imprensa via leis. Quem do parlamento aprovaria essas leis? O parlamento está nas mãos de uma quadrilha.” E reforça o que sabemos: “A prepotência da casa grande nunca foi tão clara”. Estamos em luta, sempre, pela democratização da mídia. É uma luta nacional, que conta com várias organizações em todos os estados. Mas essa demanda não é alienada; ao contrário, está pautada em múltiplas questões e causas que estão vinculadas a fatores econômicos, políticos, sociais e culturais.
Cabe aqui também lembrar a necessária preocupação com o fortalecimento da comunicação comunitária e suas rádios comunitárias, dos jornais sindicais e dos movimentos sociais, da comunicação pública descentralizada. E do impulsionamento da mídia independente. São centelhas que iluminam as lutas todas.
Bem, teria tanto ainda para dizer. O vinho acabou. Termino esse texto sem vinho. Na lucidez nua e crua da realidade. Mas com sonhos. E com a vontade de muito ainda realizar pela comunicação. Sobretudo, reverberando dentro de mim as palavras finais de Mino Carta: “Sem o povo na rua, nada muda”. Creio nisso, mestre.
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