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Superação


Janeiro caminha a passos largos e eu fico aqui pensando qual é o lema – se é assim que posso dizer – para 2017. Depois de todos os balanços tragicômicos de 2016, quando a vida política tupiniquim imitou a arte-trash, reflito nesses dias capricornianos acerca do que de fato me mobiliza para não imobilizar as minhas crenças, sonhos e buscas incessantes neste ano que já desliza pelos dedos. E aí vem a única palavra que me ocorre desde os últimos dias do ano morrido: superação. Sim, essa polissílaba é meu alento e o meu guia.

Superar, sempre. Para não perder as esperanças; para fundar novas utopias; para continuar acreditando na humanidade; para as frustrações não minarem a saúde; para construir e reconstruir – se preciso, colando os caquinhos; para fazer do trauma uma oportunidade de recomeço; para abrir janelas e portas que estavam cerradas na nossa alma; para dar chance ao novo; para redescobrir-se, reinventar-se; para ter fé; para alvejar a mancha das mágoas e dizer para si: sou maior do que isso; enfim, para ter coragem de lutar, lutar e lutar, porque a vida é luta e não pousada para alienados.

Estou falando do lado mais íntimo do nosso ser ao mais macro – aquele que nasce na alma e mente e lança raios até a política, economia, relações humanas e por aí vai. E tudo foi fazendo sentido e convergindo, porque, não bastasse essa palavra bem-dita ficar me rondando – até nos fogos da virada e nas orações noturnas –, eis que assisto ao documentário “A Sociedade da Neve”, sobre o famoso desastre aéreo nos Andes, em 1972.

Ah, aqueles guerreiros-heróis que viajavam de Montevideo para Santiago, a maioria deles sonhando apenas em jogar rúgbi e curtir uma aventura internacional, me ensinaram muito. E mostraram mais e mais que a vida é feita da palavra superação. Fui e voltei várias vezes nas cenas, a fim de refletir sobre cada depoimento. E assisti outra vez, e outra mais. E quando vi que a mídia da época minimizou tudo que foi vivenciado por eles com a palavra “canibalismo”, fiquei certa de que precisamos construir as nossas próprias narrativas sobre o tudo e o nada. E na minha narrativa a palavra que resumiria aquela fantástica vivência nos Andes é ela: superação.

O documentário é permeado de depoimentos de sobreviventes que voltaram aos Andes, em 2006, para rever o local e contar detalhes e sentimentos sobre os 72 dias que passaram na neve, sob o frio, a fome e os restos mortais do avião e as sombras dos mortos. Em certo momento, um deles, Gustavo Zerbino, disse, sereno: “Meus pulmões estavam explodindo, meu coração acelerado. Não, esta deve ser uma experiência digna de ser vivida. Deve ser um presente. Então parei de lutar contra ela e me rendi à experiência”. Render-se à experiência e vencer a revolta, o vitimismo, a inércia. Ou seja, extrair o melhor que se pode das oportunidades da vida, mesmo que aparentemente cruéis e adversas. Mesmo que pareçam uma tragédia. Superar e recomeçar em 2017. Paciência, resiliência.

Outra lucidez dos sobreviventes foi entender que naquele momento em que seus espíritos e corpos foram postos diante do limite possível (e impossível) da resistência humana, o caminho da vida e da luz seria a solidariedade. Como disse Adolfo Strauch no documentário: “E acima de tudo houve essa união forte entre nós. Esse sentimento de solidariedade. Não surgiu porque éramos naturalmente bons em praticar a solidariedade. É porque devíamos fazer a fim de sobreviver. O grupo teve que ser unido ou nunca iríamos vencer”.

Ah, se todos pensassem assim. Logo nessa nossa época de tantos egoísmos e individualismos, urge pensar que, como diz a música: um mais um é sempre mais que dois. Precisamos estar juntos para vencer os obstáculos da vida. Superar. Partilhar amores e dores, sem máscaras e arrogâncias. E isso não é publicar nas redes sociais, é recorrer ao olho no olho. Solidariedade com os próximos e os distantes. Somos uma só humanidade. Afinal, eu me constituo a partir do Outro e pelo outro.

No documentário, Roberto Canessa, um dos responsáveis por conseguir ajuda para o resgate do grupo sobrevivente, trouxe o sopro de esperança e fé que completou o meu pensar sobre o substantivo tão feminino que escolhi para nortear o meu 2017: “E aprendi que, na vida, quando você está desesperado, tem que esperar um pouco até portas aparecerem em paredes brancas. Às vezes você precisa saber esperar. Quando não sabe o que fazer, está desesperado e acha que vai morrer, é só esperar um pouco e o tempo dá respostas. Isso foi o que aconteceu naquela noite. O vento diminuiu, foi uma noite de luar maravilhoso. Eu senti que Deus era meu amigo”, disse Canessa, comentando uma das noites em que dormiu ao relento sob e sobre a neve, conseguindo energia para esperar o dia amanhecer e seguir na luta para encontrar ajuda para o resgate do grupo de 16 sobreviventes.

Superação é tão múltipla que dela nasceram os sentimentos que desejo a mim e a todo mundo que luta: esperança, fé, crença, construção, reconstrução, paciência, união, recomeço, resiliência, solidariedade, redescobrimento, reinvenção... E tantas e tantas outras. Penso que a única alternativa que nos resta é sempre superar. Superar mesmo quando desistimos de algum sonho para sonhar outros. A metáfora dos Andes aqui nos diz: temos – todos os dias – pequenos e grandes obstáculos a enfrentar. Não desistamos. Há sempre a possibilidade de vencer. Um 2017 de superação.

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