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A visita


O domingo prometia! Sol, disposição e o maridão do lado. Tomamos café da manhã na rua. Ele, que adora desbravar a cidade como se fora um estrangeiro, deu a ideia: “Em vez de voltar pra casa, vamos andar pelo centro, tipo Mercado de São José, Pátio de São Pedro!”. Eu: “Tudo fechado hoje!”. Ele: “Vamos tentar!”. Tentamos, mas a cidade parecia um local bombardeado. Sem gente, sem vida, sem nada. Cenário nem de longe acolhedor. Desistimos de ficar por ali. Seguimos de carro pela Dantas Barreto, passamos na Casa da Cultura, Ponte Velha, Rua Velha, Pátio de Santa Cruz... E tivemos a grata satisfação de conhecer o Mercado da Boa Vista (sim, não conhecíamos). Descemos, circulamos e decidimos marcar um dia para voltar lá, quem sabe almoçar e ouvir música ao vivo. Depois vi que o passeio bem que podia ter terminado ali. (Eu e a mania de não seguir a minha intuição...).

O maridão disse: “Vamos agora para o outro lado. Praça da República, Capela Dourada...”. Ok, vamos. Fomos. Fiquei contemplando a linda praça, gente passeando de bicicleta, fazendo piquenique na grama, crianças correndo... Parei na secular baobá e fique ali, admirando aquela árvore linda! Aí ouvi uma voz: “Patríciaaaa!”. Era o maridão chamando da porta do Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo do Estado. Andei calmamente até lá, meio sem vontade. Ele disse: “Daqui a pouco vai ter visita guiada. Tem vaga! Vamos?”. Fui. Entrei. Um grupinho já esperava a visita. Demos nome e número de RG e de celular. Ficamos por ali. Faltavam uns 15 minutos. Teria dado tempo de desistir. (Mas eu e a minha mania de preferir o sim do que o não, fui ficando...).

Deu a hora de começar a visita e os guias estavam pelos andares, ocupados com outros grupos. Nisso, uma mulher de meia-idade aparece e se escala para guiar. “Eu sou a coordenadora dos estagiários da visita, mas, como estão ocupados com outros grupos, vou acompanhar vocês, para não atrasar”. Nos preâmbulos, um pouco antes de começar a visita, ouvi que ela comentou com umas pessoas: “Falo inglês e um pouco francês, porque meu ex-marido tinha ciúme do meu curso de francês e eu tive que sair antes de concluir”. Não sei o porquê, mas, de novo, minha intuição avisou que era melhor desistir. Fui em frente. (Eu e a minha mania de não desistir nunca!).

Fomos subindo os andares do palácio ao passo que as pérolas iam escorregando pelas escadarias... Aos pouco, aquele lugar histórico, que traz encravada a história de Pernambuco e as marcas da presença holandesa no Brasil, foi perdendo o encanto. Ao apresentar uma sala com uma enorme mesa de reuniões, a mulher-guia disse: “Aqui é a sala de reuniões, mas quem usa muito é a primeira-dama fulaninha, que, não sei se vocês sabem, é juíza! Aliás, ela e Doutor Paulo são concursados! Inclusive, todos os governantes deveriam ter, no mínimo, mestrado. Quando entra uma pessoa sem estudo para governar um estado ou um país, acontece o quê? Diz ‘eu não sei’, ‘eu não sabia de nada’”. Nesse momento, vi que a visita não era só histórico-cultural, era política também, assim, com “p” minúsculo.

Não satisfeita, ela enfatizou a importância de pós-graduação várias vezes, chegando a apontar para as crianças do grupo, dizendo: “Vocês, que são crianças, estudem! Não se pode chegar a conto nenhum sem estudo, a governar um país, um estado. Eu tenho pós-graduação! A gente tem que estudar! O país tem que ser governado por pessoas que estudaram!”. Foi quando adentramos a “galeria dos ex-governadores”. Confesso que aquelas telas me deram enjoo. Vi como tivemos governantes conservadores em Pernambuco. Mirei Arraes, perdido ali no meio, olhando de lado e com ar de riso, como era costume. Ela apontou apenas para alguns: “Este é Doutor Roberto, que hoje advoga; este é Mendoncinha, que está em Brasília defendendo a nossa democracia no Ministério da Educação! (Disse isso quase com dedo em riste!); aqui Eduardo Campos, que morreu naquele acidente que nem a FAB sabe ainda o que aconteceu.”. O maridão, que não é de esquerda e só queria conhecer mais a sua cidade e seus patrimônios, olhou para mim e disse: “Tá demais!”. Não concluímos a visita. Fomos embora.

Em muitos momentos, tive ímpetos de interromper o discurso da mulher-guia e fazer várias perguntas: “Com licença! Estamos em um espaço público ou privado?”; “Trata-se de uma visita histórico-cultural ou político-ideológica?”; “O governador da vez é proprietário desse palácio?”; “Você é concursada para esta função aqui?”; “Não acha que está destilando preconceito de classe ao dizer que qualquer governante deve ter, no mínimo, mestrado?”; Antes de falar em escolaridade, vamos conversar sobre oportunidades, desigualdade social e, que tal, as cotas?”. Claro que eu não iria dizer que estava entendendo as “indiretas” para Lula... (Aliás, tenho que exercitar mais a minha insensatez, pois, de outra vez, perguntaria tudo e muito mais.).

Mas fiquei com receio. Essa visita foi no dia 31 de julho de 2016, data em que teria o clássico CBF X Cuba. Ops! Coxinha X Mortadela. Ops!!! ForaDilma X FicaQuerida. Ânimos acirrados. Imagine se desse a louca na mulher-guia e ela gritasse, depois das minhas perguntas: “Guardas! Petista mode on! Prendam-na! Je suis Paulo Câmara! Je suis PSB!”. E aí meu maridão, que nem de esquerda é e só queria conhecer a cidade como se fora um estrangeiro, ia no rolo comigo...

Enfim. Não disse nada, mas saí de lá contrariada. Esperei para escrever esse texto no meu blog, pois aqui o lema é #jamais temer! Enfim, saímos sem dizer, sequer, Merci beaucoup. Bom, daí por diante tive a certeza de que tenho que trabalhar mais em mim a desenvoltura para dizer não, não, não, não... E também seguir mais a minha intuição, pois algo me dizia que o dia prometia...

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