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Saudades da “língua do P”


Quando eu era criança, havia uma brincadeira que adorava: falar a “língua do P”. Podia durar uma hora, a metade do dia ou até o dia todo. PEu Pvou Pan Pdar Pde Pbi Pci Pcle Pta. Esse sacrifício todo para dizer “Eu vou andar de bicicleta”. Pura diversão. Sempre havia umas amigas maluquinhas que também amavam falar com o “P” na frente das sílabas. Era, então, decretada a proibição de falar normal. PNor Pmal.

O tempo passou. E hoje eu queria inventar uma outra língua. Não seria mais para brincar com as amiguinhas, mas para extravasar umas desilusões. Uns desconfortos. Seria por necessidade e não por motivação lúdica, infelizmente... Assim, criaria a “língua do Des”, meio esquisita, confesso.

Essa nova língua seria usada de forma diferente – poderia ser prefixo ou não; só para ser do contra ou unicamente para rimar. Cairia como uma luva nesses tempos de desalento. Seria desnecessário verbalizar o “Des”: bastava desenhá-lo no texto, diferentemente da falada língua do P”. Seria mais como um desabafo por escrito, nesses tempos de desgovernos.

Sinceramente, com essa língua estranha, desconstruiria muito edifício oco e palavras vãs. Destacaria as pessoas merecedoras de aplausos, as verdadeiras lutadoras, as desinteressadas do vil metal. Por outro lado, desnudaria os falsos em praça pública, como um meio de desforra pelos injustiçados.

Desmentiria os argumentos sórdidos, deslindando a verdade. Lutaria para desmistificar as lendas alienantes e exporia os déspotas. Diria que, desde sempre, houve subjugação no mundo e os descontentes e destemidos foram para as trincheiras lutar contra os descalabros. Explicaria tudo, pois desinformação desatina a pessoa.

Com a “língua do Des”, eu faria muita gente descer do morro e desencadearia uma revolução da paz, destituindo a polícia e desmontando os muros das cidades. Claro, desdenharia a voz de prisão e faria o povo desaguar no mar e nas areias da praia. Tudo era descontração e libertação! Desde já!

Descaradamente, afastaria os descrentes para não desandar a alforria – e a euforia.

Valeria a pena até uma sessão de descarrego – em forma de prece –, pois é bom juntar os destemidos e contar que há desencarnados torcendo pelos desvalidos e desalmados da terra. Coisas da esfera do destino seriam reavaliadas. Afinal, destino também desmorona e pode vir a gerar um novo caminho, inclusive, menos desinteressante.

Como nem tudo é desdita, comemoraria o desenvolvimento dessa teoria linguageira juntando amores e amigos - primeiro para um bom desjejum. E depois, já que não gosto de destilados, tomaríamos um Château des Landes, tinto. Não seria uma festança desmedida. Só descontraída. Sem desventura. Com muita aventura, como pede a vida para não ser desimpedida. PEra Ptu Pdo Pque Peu Pque Pria.

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