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O discurso e os riscos


Hesitação. A ponta da caneta vai deslizando por sobre o papel, que pode ser branco, preto, colorido; liso ou pautado. Não importa.

Assim como a vida, a história, os fragmentos de memória, as anotações e as declarações de amor – tudo está por vir. Tudo é futuro quando a minúscula esfera escorrega sobre a superfície e faz o primeiro risco. O discurso vai nascer ainda. Mas também já foi dito.

As palavras aparecem nebulosas. É nessa nuvem cinzenta que vão surgindo os discursos. A cada escrita, novos signos, simbolismos, como as linhas tortas de uma criança aprendendo o caminho das letras.

E quando não há linhas? Não há norte? E agora? Há mais criatividade, mais liberdade. É como se fosse a vida sem ser pautada, cerceada, coibida, vigiada.

A ideia vai se equilibrando, letra a letra, bebendo na fonte do não-dito e do já-dito. Alguém lembra que o discurso nunca é novo. Mas ele pode ser ressignificado, eu digo.

Essas contradições entre a vontade do novo e a certeza da recorrência pululam na mente. Mesmo a caneta deslizando, mais rápida e nervosa, o que parece inédito não é. Quanto mais ela resvala, mais vem a garantia de que não se pode fugir do arquivo, da memória.

Melhor parar? Não, melhor resistir. Foucault poderia dizer: resistir é construir uma alternativa que não está dada, não está posta. Por isso é também um risco resistir.

O texto nasce. Mas não se pode parar. Melhor correr riscos. A esfera continua deslizando na superfície. Pergunta-se novamente: e agora? Não há tempo para estancar o que se começou. É preciso continuar, diria novamente Foucault.

Mais uma vez alguém lembra que o novo depende da interpretação de quem lê. Alívio. O leitor vai redescobrir novos significados e sentidos, novos olhares. E o leitor torna-se autor, coautor, cúmplice, parceiro. Estamos no mesmo barco, correndo os mesmos riscos. Que venham então as tempestades. Isso liberta!

Obs.: Texto escrito em um dia de 2012.

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