Amizade e suas rimas
Tentei escrever sobre amizade. Rascunhei poemas e rasguei. Tracei linhas distorcidas e risquei tudo. Ensaiei versos no papel e queimei até virar cinza. Depois vi que amizade não combina com poesia. Nada daquilo que escrevi rimava com amizade - que coincide com sinceridade, lealdade e verdade.
Aqui estou eu, sem querer, rimando amizade...
Tudo bem que para iniciar uma amizade basta apenas afinidade entre duas pessoas. Mas é necessária muita força de vontade para preservar os vínculos e fortalecer os nós. É esforço e dedicação, na realidade. Não é para amadores formar essa tal dupla identidade.
Mas eu não quero rimar, de novo, amizade...
É construção diária, feito qualquer relacionamento. Sem romantismo, mas que exige compromisso e igualdade. Sim, direitos e deveres iguais para os amigos. Equilíbrio. Uma via de mão única está fadada a terminar em fatalidade, quer dizer, o fim trágico da amizade.
Por que não posso fugir de rimar amizade?
Ah, ia esquecendo de voltar a falar da sinceridade. Quem nunca perdeu amigos por mal-entendidos, não-ditos e malditos? Neste caso, a amizade não fluiu com transparência. Foi nocauteada por alguma adversidade, obscuridade, opacidade. Que mais pareceu (talvez) falsidade.
Continuo a rimar, involuntariamente, amizade...
Aliás, inveja também não pode passar no coração e na cabeça de quem criou uma real amizade. O sucesso do outro é seu; o fracasso idem. Há um sentimento de estamos juntos. O resto é ruindade. Ou frouxa afetividade. Mais grave: chega a ser hostilidade.
Cá estou insistindo em rimar amizade...
E a fidelidade? Essa, sim, é amiga íntima da amizade. Confiar no outro é alento para o coração, paz da razão, amor de verdade. Pense numa plena amorosidade! É a certeza de durabilidade. De perenidade. É uma bênção ter a certeza da já falada lealdade.
Como faço para deixar de rimar amizade?
Há ciladas na amizade. Às vezes, o amigo se bandeia para outro lado, buscando novas histórias, novos caminhos, novas éticas. Deixe-o ir. Tudo bem que vai ficar uma lacuna bem grande para a eternidade. Mas quem sabe você não vai abrir as portas para outras amizades? De todo jeito, nunca existirá garantia de longevidade.
Vou parar de escrever, não era a intenção rimar amizade...
Não se engane. É duro manter amigos. Exige corresponsabilidade. Suor, tempo e disponibilidade. É preciso um excesso de cuidado com o outro, pois não se trata de um laço de nascença ou consanguinidade. É um amor construído, pura inventividade. É também uma questão de alteridade. Se aprofundar mais, vemos que é do campo da espiritualidade.
Já que cheguei até aqui rimando amizade, digo logo que a palavra com mais sonoridade é mesmo “verdade”. Sem ela, não há amizade.