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Sobras das eleições (raspas e restos me interessam)


Não sou dada a lugar-comum, mas me permiti escrever sobre “coisas que observei nas eleições presidenciais 2014” (carrega no sotaque do clichê), mais especificamente no calor da emoção depois do segundo turno, quando Dilma Rousseff venceu Aécio Neves por muito pouco. Então, haja emoção. Que disputa eleitoral difícil, peculiar, dramática... Por tudo isso, meu olhar aqui não é científico, sendo, inclusive, mais emocional do que racional. Sim, aviso logo: tenho certeza que só vai interessar aos meus pares... Aqui, "raspas e restos me interessam", como diria Cazuza. Vamos lá, então! Observei, atenta:

- A ressignificação da expressão “petralha”. Essa foi demais! A mídia defensora da casa grande construiu esse neologismo para categorizar os petistas supostamente envolvidos no episódio do “mensalão”. Depois passou a denominar “petralha” todos os simpatizantes do Partido dos Trabalhadores. Isso foi tão forte que vi petistas históricos se envergonharem de colocar uma estrela no peito. Mas assisti, nessa mesma eleição, o termo ser ressignificado pela militância de esquerda (não só petista) para denominar quem estava na luta para defender um projeto de Brasil mais justo e inclusivo e, de resto, para se contrapor à possibilidade de retrocesso que a candidatura do PSDB representa(va). Ou seja, para defender a candidatura de Dilma Rousseff. Vi a militância aguerrida separando o joio do trigo, salvando o que ainda há de bom no PT, indo para as ruas e dizendo orgulhosa que iria “petralhar”, pedir votos para Dilma, contrapor-se às mentiras da “mídia nativa”. E foi linda essa luta da militância. “Petralhar” virou “verbo” que significava lutar por um país para a maioria e não só para as elites.

- O reconhecimento de que o PT, como qualquer outra instituição composta por gente, deve obrigatoriamente submeter-se ao controle social, à fiscalização das instituições competentes e à cobrança permanente da sociedade. Vimos que assim como as igrejas, as ongs, as associações, os sindicatos, outros partidos políticos, enfim, o PT é passível de erros gravíssimos. E deve pagar por isso! Mas não são todos os petistas que permitem falcatruas, como não são todos os padres que são pedófilos e nem todos os ongueiros que são trambiqueiras e nem todos os sindicalistas que são vendidos, e por aí vai. A justiça tem que julgar e a polícia tem que prender quem for condenado por desvios ou corrupção. Ponto pacífico. O que é patente: os erros de parcela do PT foram uma ótima oportunidade de a direita tentar destruir a legenda, junto com a força-tarefa de grande parte dos meios de comunicação convencionais. Mesmo assim, lamentavelmente, as redes sociais foram poluídas com discursos generalistas, preconceituosos e segregadores. Um ódio ao PT também foi ressaltado. E muita máscara caiu: gente de direita mostrou a verdadeira face. Infelizmente, tudo isso deu lugar a um discurso maniqueísta de bem X mal, que pouco contribui para o debate político. Nesse sentido, perdemos todos.

- Não permitimos uma nova edição da “família Sarney” no nosso estado. Que alívio. Doeu ver a família Campos e o PSB utilizarem a comoção gerada em todos nós pela morte do seu líder maior para angariar dividendos políticos, transformando lágrima em moeda de troca eleitoreira. Certamente, um dos momentos mais deprimentes da história política de Pernambuco. A razão venceu a tentativa de abuso da emoção. A revanche da disputa presidencial no segundo turno - aqui no estado - foi também um sopro de vida para os partidos de esquerda. Já passou da hora, faz tempo, de aprofundarem na avaliação do que é ser de esquerda, dos desvios de caminho do PT local, para onde se quer ir, enfim, o que é hoje ser “petista”. Ou adeus esquerda no estado e na capital recifense.

- Felicidade e paz de espírito me acalentaram ao ver pessoas das comunidades com as quais trabalhei atuando como formadores de opinião, disseminando novas interpretações dos fatos e notícias que a mídia não mostrava durante a campanha presidencial. Igualmente me acalentou ver professores, ex-professores, colegas e amigos do campo da comunicação - da Unicap e UFPE - lutando arduamente em várias instâncias para eleger Dilma, entendendo que esta era a única opção possível no segundo turno para barrar a retomada do projeto neoliberal do PSDB. Foi uma batalha também pela comunicação democrática e pela educação de qualidade. Vibrei com tanta gente boa nessa luta.

- Aliás, ficou claro na disputa eleitoral presidencial de 2014 que ainda existe direita e esquerda. Ou direitas e esquerdas. Sempre defendi isso. Os projetos representados por Dilma e Aécio eram opostos em muitos elementos. Norberto Bobbio me ajuda nessa reflexão, quando diz que “Após a queda dos regimes comunistas, ouve-se aflorar com a mesma malícia a pergunta inversa: ‘Mas ainda existe a esquerda?’”. E o autor explica: “A crise do sistema soviético teria tido como consequência, neste caso, não o fim da esquerda, mas de uma esquerda historicamente bem delimitada no tempo. Desta constatação derivaria uma outra consequência sobre a qual o debate está mais do que nunca aberto: não existe uma única esquerda, mas muitas esquerdas, assim como, de resto, muitas direitas”. E diz mais: “Num universo conflitual como o da política, que exige continuamente a ideia do jogo das partes e do empenho para derrotar o adversário, a divisão do universo em dois hemisférios não é uma simplificação, mas uma fiel representação da realidade.” (Para saber mais, ler: “Direita e Esquerda: Razões e Significados de uma Distinção Política”, de Bobbio, 2001)

- Uma reflexão bem íntima e particular. Vi algumas pessoas que sempre considerei generosas e solidárias adotarem um discurso virulento, preconceituoso, generalista e segregador. De assustar. Vi, ainda, que algumas dessas pessoas estavam apenas defendendo interesses seus, particulares, temendo uma ameaça de suas “posições sociais” com uma possível vitória de Dilma. Ou por puro egoísmo de não pensar na maioria socialmente excluída, que pela primeira vez na história do país foi enxergada por um governo. Desde então tenho feito uma reflexão sobre o que é ser bom, ser generoso, ser solidário… Vi estudantes de todas as classes sociais fazendo campanha nas ruas - dia e noite - para defender “a manutenção dos projetos sociais da maioria excluída do país”. Acho que isso é ser bom, ser generoso, ser solidário…

- Chorei de vergonha da mídia tradicional brasileira. Basta dizer isso.

- Foi um deleite ler vários textos brilhantes sobre o cenário eleitoral e os argumentos sobre os dois projetos oponentes no segundo turno. Nunca se escreveu tanto sobre política, sobretudo pessoas não consideradas “especialistas” no assunto. E também gente da área que arrasou nos argumentos. Em especial, amei ler as postagens de Jean Willys. Todo o meu respeito a esse parlamentar que dignifica a classe política.

- Ah, ia esquecendo… Ver e ouvir Chico Buarque dizer porque vota “na Djilma” no programa eleitoral foi o máximo. A direita jamais vai ter isso. Jamais! Sim, porque para além dos belos olhos e de ser o maior poeta da música brasileira, Chico sempre esteve ao lado das causas nobres, justas e dignas desse país. Se alguém disser o contrário, pode internar.

- É isso. Vencemos, nós, que lutamos por uma sociedade mais justa. Agora vamos todos cobrar do PT e partidos aliados a governar bem esse país. Vamos fazer a nossa parte. Não está fácil. Não está mesmo...

*Foto: reprodução de Sebastião Salgado.

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