O mal por ele mesmo se destrói?
Todo mundo em algum momento da vida se viu diante de um monte de espertinhos se dando bem. Parece que só você enxerga isso. Você sente como se a sua voz fosse um eco frágil e vazio numa caverna deserta e escura. Ninguém lhe dá ouvidos. Você até que tenta: “Olha, fulano não é tão gente fina como você pensa. Toma cuidado”. Não adianta. Parece até aqueles pesadelos quando a gente quanto mais corre mais fica perto do perigo. Mas o pior, muito pior, é quando você entende que há interesses em jogo. E as pessoas simplesmente não querem ou não devem ouvir o que você tem a dizer... Ainda bem que não é sempre que isso ocorre. E, vamos combinar, nem é sempre que você está tão antenado com um cenário a ponto de ver como os “atores” estão se comportando, como as peças do xadrez estão se mexendo, e que há má-fé no movimento em curso.
Outro dia estava conversando com o meu filho exatamente sobre algum espertinho que estava se dando bem, com sabe-se lá que armas escusas estava usando. Aí me saí com o clichê filosófico tirado de algum para-choque de caminhão: “Mas o mal por ele mesmo se destrói”. Sentenciei. Meu filho sem titubear disse: “Sarney está aí até hoje.” Ah, é? Fiquei sem palavras, mas me pus a refletir sobre isso. E engoli a frase que costumava repetir durante anos a fio, sem pensar muito no que ela significava.
Comecei a ver que na prática eu não acreditava totalmente nessa afirmativa. (Não quero aqui entrar no mérito das teorias espirituais, católicas, cristãs, na física quântica, nas leis da causa e efeito, no “aqui se faz, aqui se paga”, enfim. Minha observação é mais terra a terra. Mais rasante.).
Vejo também que nessa jaula urbana do salve-se quem puder há sempre os que mandam (são os que têm mais poder), que deixam o espertinho se dar bem, porque estão em sintonia de interesses. Nesse laissez-faire desenfreado, quem discorda só tem um caminho: lutar para mudar ou desistir, achando talvez (e retoricamente) que o mal vai se destruir um dia. Ficar perto e nada fazer quer dizer sofrer, reconhecendo e cantando: Hoje você é quem manda/Falou, tá falado/Não tem discussão, num “apesar de você” moderno. (Por isso muita gente se exilou na época da ditadura no Brasil, porque lutou muito e naquele momento não podia mudar o estado de coisas horríveis que aconteciam). Reconheço que às vezes precisamos esperar o momento certo para tentar “transformar o mundo” (mais clichê!), pelo menos em nossa volta. Mas calar é a opção mais sofrida para os conscientes. Quase impossível.
A lei dos espertinhos pode se efetivar em várias esferas de poder, não apenas em partidos políticos e poderes públicos. No espaço onde tem gente junta, tem luta pelo poder, em várias escalas. E sempre tem um ou outro que resvala para a sarjeta. Às vezes, acho interessante algumas pessoas falarem mal do estado geral de corrupção que assola o Brasil, colocando a questão para bem distante de si. E vejo essas pessoas, na micro-esfera onde atuam, repetindo muitas dessas práticas. Terrível.
Qual o caminho para não “esperar” que o mal se destrua por ele mesmo? Acho que lutar sempre é a melhor opção. Mas se for para pregar no deserto... Aguente a úlcera. O poeminha do contra, de Mário Quintana, nos dá um alento: Todos esses que aí estão/atravancando meu caminho/eles passarão... eu passarinho!
Lutar pelas vias legais, pela denúncia, pela atitude firme, pela construção coletiva, pela mobilização. Lutar sempre! Para Foucault, resistir é construir uma alternativa que não está dada. Acredito que, no fundo, o mal vai se destruir mesmo, nem sempre do jeito que queremos ou esperamos, nem sempre no tempo que imaginamos. Desistir, jamais!